Aos estudiosos da cristalografia

Depois da alguns anos de ensino e pesquisa na disciplina de Mineralogia, cheguei à conclusão que a Cristalografia se tornou uma ciência pesada, devido a sua nomenclatura excessivamente extensa e pouco significativa. São necessárias, portanto, algumas simplificações. Esse espaço servirá para a publicação das minhas sugestões. Espero, com isso, contribuir para futuros estudos na área.



quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Em busca das classes pinacoidais e pediais dos sistemas rômbico e monoclínico

  Jacob Ignácio Kuhn, FMS *
Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS
Esse artigo foi publicado na Revista da Associação dos Docentes e Pesquisadores da PUCRS, em 2009

Resumo
O presente artigo defende a possibilidade de existirem cinco classes tanto no sistema rômbico quanto no sistema monoclínico, ao invés das três universalmente conhecidas nesses sistemas. Isso significa que as classes prismática e esfenoidal, além do sistema monoclínico, existem também no sistema rômbico. O mesmo ocorre com as classes pinacoidal e pedial, reconhecidas no sistema triclínico e possíveis no sistema monoclínico. Pretendo, ainda, apresentar uma nova proposta de nomear as classes, de acordo com as formas geradoras que lhes deram origem.

Introdução
No sistema rômbico são conhecidas as classes oriundas das formas geradoras prisma, esfenoide e doma. O pinacoide, com seu elemento de simetria unido ao eixo principal binário do sistema rômbico, gera um plano perpendicular ao eixo, caracterizando o prisma. A face do pédion** sem simetria, justaposta ao eixo binário do sistema, forma o esfenoide.
Roso de Luna (1955) constata a existência das classes prismática e esfenoidal no sistema rômbico, deslocando-as, contudo, para o sistema monoclínico, sem se dar conta das diferenças existentes entre os dois sistemas.[1][1]
Ao afirmar que os sistemas rômbico e monoclínico possuem cada um cinco classes, independente da existência de classes semelhantes nos sistemas monoclínico e triclínico, deve-se levar em conta que no sistema rômbico o eixo binário é o eixo vertical que caracteriza todo o sistema. O plano proveniente da introdução do centro de simetria do pinacoide será também plano principal. No sistema monoclínico, o eixo principal é unitário e tanto o eixo de simetria quanto o plano ali existente são laterais.
A dificuldade na diferenciação dos elementos de simetria leva a considerar elementos totalmente diferentes como sendo os mesmos, sugerindo que se trata da mesma classe. Isso se verifica com as duas classes do sistema rômbico, semelhantes às duas classes do sistema monoclínico, e com as duas classes do sistema monoclínico, semelhantes às classes do sistema triclínico.
Para facilitar o entendimento do que se defende no presente artigo, segue a transcrição de alguns trechos do livro Base da Cristalografia Morfológica[2][2], que se encontra em elaboração.

1.  Classificação dos elementos de simetria
            Ao construir modelos materiais de agrupamento dos elementos de simetria das diferentes classes, com o objetivo de facilitar o ensino e a aprendizagem da Cristalografia, percebeu-se a necessidade de um aprofundamento do conhecimento acerca da origem e da função de cada um desses elementos. Em razão dessa necessidade, propõe-se uma classificação dos elementos de simetria.
            Assim, eles foram diferenciados na sua origem e na sua função de multiplicação, transformação ou geração de novos elementos, definindo-se alguns termos: elementos principais de simetria – fundamentais básicos (substantivos) - têm origem nos movimentos giratórios básicos dos sistemas unitário, binário, ternário, quaternário, senário e nos quatro eixos ternários do sistema cúbico, servindo para caracterizá-los; elementos laterais – complementares (adjetivos) - têm origem nas formas geradoras e caracterizam as classes. Ambos os grupos podem ser subdivididos em:
§         Elementos primitivos  - procedentes diretamente das origens, multiplicados ou não por outros elementos;
§         Elementos derivados - gerados pela interação de outros elementos justapostos.
Os elementos principais primitivos são os eixos característicos dos sistemas. Com exceção do sistema cúbico, serão sempre verticais e singulares. Os eixos principais derivados são os três eixos originados pela interação dos quatro eixos ternários que são eixos quaternários de inversão, mas, com a introdução dos elementos laterais, podem ser modificados. Pela posição que ocupam, os eixos principais derivados são tomados como eixos cristalográficos. São planos principais derivados todos aqueles gerados pela interação do centro de simetria com os eixos principais pares, bem como os planos horizontais gerados pelo eixo senário de inversão, nas duas classes de inversão do sistema hexagonal.
São chamados elementos laterais primitivos aqueles provenientes das formas geradoras, ou seja, o centro de simetria do pinacoide, o plano lateral do doma e o eixo binário lateral do esfenoide. A existência dos três elementos acima mencionados caracterizará a forma geradora chamada prisma. O pédion é outra forma geradora, mas não contribui com nenhum elemento de simetria. Os elementos laterais primitivos podem ou não ser multiplicados pelos elementos principais, dependendo da natureza dos últimos.
Os elementos laterais primitivos, multiplicados pelos principais pares, terão sempre um acabamento igual nos lados opostos. Isso causará uma interação com o elemento principal, originando uma nova série de elementos laterais, em número igual aos da primeira série, que se intercalarão aos elementos laterais primitivos. Para esse caso, propõe- -se a adoção da denominação elementos laterais derivados, em função da maneira como eles surgem, ou seja, da interação dos eixos principais pares com os eixos ou os planos laterais primitivos, já multiplicados pelo eixo principal.

2. Justapondo elementos de simetria
A justaposição dos elementos de simetria não pode ser aleatória, mas deve atender a compatibilidade dos mesmos na posição desejada. Os dois poderão agir sempre um sobre o outro, multiplicando ou alterando um ao outro. E, interagindo, poderão fazer surgir outros elementos. Normalmente, o caminho inverso também é verdadeiro. Se um plano perpendicular a um eixo binário gera um centro de simetria, um centro de simetria com um plano ou com um eixo gera o terceiro elemento.
  2.1 Combinando dois eixos ternários
Dois eixos ternários são compatíveis somente a um ângulo de 109 graus, 28 minutos e 16 segundos. Nessa posição, eles se multiplicarão, resultando num total de quatro eixos mantendo o mesmo ângulo. Interagindo, os quatro originarão três eixos quaternários de inversão, localizados nas bissetrizes obtusas dos eixos ternários. Sobre esse resultado, os elementos laterais poderão agir de vários modos:
2.1.1 se for acrescentado, ao conjunto acima descrito, um centro de simetria, os eixos quaternários de inversão serão transformados em eixos binários com plano perpendicular;
2.1.2 se for acrescentado um eixo binário, ele será multiplicado por seis e se colocará nas bissetrizes agudas dos eixos ternários, posição em que é, ao mesmo tempo, perpendicular aos dois outros eixos ternários, transformando-os em eixos bipolares. Nessa situação, os mesmos eixos binários transformarão os eixos quaternários de inversão em eixos quaternários; (pela posição que ocupam, os eixos binários cruzam as faces do cubo, tornando o eixo perpendicular às mesmas, em eixo quaternário ver cubos das placas I)
2.1.3 se for acrescentado um plano de simetria, ele será multiplicado por seis e, passando pelos eixos ternários, nada alterando;
2.2 Combinando eixos e planos de mesmo nível
            Serão sempre perpendiculares.
2.3 Combinando elementos laterais com o eixo principal
Terão a seguinte posição:
2.3.1 o eixo lateral será perpendicular
2.3.2 o plano passará pelo eixo
2.3.3 o centro se localizará no meio do eixo
2.4 Acrescentando um elemento lateral a um eixo de ordem n
O resultado será variável:
2.4.1 o elemento lateral sendo um eixo, o eixo principal de ordem n fará surgir n -1 novos eixos binários, distribuídos num ângulo de 360°, dividido por 2n. Assim,
·        se o eixo for par, ele multiplicará o eixo lateral por n/2 e, na sequência, os transformará em eixos bipolares. Interagindo com os eixos bipolares, fará surgir outra série de n/2 eixos bipolares (derivados), intercalados aos primitivos;
·        Se o eixo for ímpar, a multiplicação por n será direta e os eixos laterais permanecerão polares.
2.4.2 o elemento lateral sendo um plano teremos um resultado semelhante: eixo par multiplicando por n/2 e, num segundo movimento, por interação, fazendo surgir os planos derivados, intercalados aos primitivos. O eixo ímpar multiplicará diretamente por n
2.4.3 o elemento lateral sendo um centro de simetria, não haverá multiplicação, mas o efeito do centro se fará sentir, pois ele atuará de acordo com as suas atribuições. Se o eixo principal for par, o centro fará surgir um plano perpendicular ao mesmo; se o eixo principal for ímpar, ele será transformado em eixo de inversão.
2.5 Combinando um eixo binário com um plano perpendicular
Formam um centro de simetria. O centro de simetria com qualquer um dos dois outros elementos formará o terceiro, visto que os elementos eixo binário, plano perpendicular e centro de simetria, justapostos dois a dois, originaram sempre o terceiro elemento. Como todos os eixos pares são binários, formarão um plano perpendicular com o centro, e formarão o centro com o plano perpendicular.
2.6 Cruzando n planos
A intersecção de n planos formará um eixo de ordem n.  
2.7 Constatando: todo eixo é polar por natureza
 Passará a ser bipolar quando outro elemento igualar as suas duas “extremidades”, podendo este outro elemento ser um centro de simetria ou um eixo par perpendicular ou, ainda, um plano perpendicular.
2.8 Combinando um eixo quaternário de inversão –4 com um eixo binário
O eixo quaternário de inversão multiplicará o eixo lateral por dois e originará mais dois planos laterais derivados, intercalados aos eixos, não admitindo nem centro de simetria e nem plano lateral primário.
2.9 Lembrando que um eixo senário de inversão -6 equivale a um eixo ternário com plano perpendicular.
Observa-se que um eixo senário de inversão equivale a um eixo ternário giroide.
2.10 Combinando um eixo senário de inversão com um plano lateral primitivo
Além de multiplicar o plano por três, fará surgir mais três eixos laterais derivados, passando pelos planos. É impossível acrescentar centro de simetria ou eixo lateral primário.
Observação: os elementos derivados permanecerão na posição em que foram gerados. Os eixos principais derivados do sistema cúbico, alterados ou não, ficam na bissetriz obtusa dos eixos ternários.
Os eixos e planos laterais derivados ficam intercalados aos respectivos elementos primitivos.

3. Formação das classes
Tradicionalmente os cristais são estudados a partir dos exemplares. Esse modo de estudo pode conduzir à conclusão precipitada de que alguns cristais pertencem a uma determinada classe, quando na realidade existem classes semelhantes em sistemas mais condizentes. O estudo das classes a partir da gênese mostra a possibilidade da existência de classes semelhantes em outros sistemas mais apropriados. Nessa medida, muitos cristais taxados de pseudos podem ser encaixados no seu sistema verdadeiro. Exemplificando, a classe prismática e a esfenoidal existem tanto no sistema rômbico como no monoclínico, e as classes pinacoidais e as pediais existem também no sistema monoclínico e, como únicas classes, no sistema triclínico. O que vale dizer que o pinacoide e o pédion conseguem formar classes em todos os sistemas.

3.1 Formas geradoras e elementos básicos dos sistemas
Para estudar a formação das classes de simetria a partir da sua gênese, tomamos os elementos principais, característicos de cada sistema, e acrescentamos os elementos de simetria das formas geradoras que contribuem com os elementos característicos das classes. As formas geradoras contribuem com os respectivos elementos:
·      o pédion contribui somente com uma face, sem simetria, ficando a classe pedial somente com os elementos característicos do sistema;
·      o pinacoide acrescenta o centro de simetria;
·      o doma acrescenta o plano lateral (plano do doma);
·      o esfenoide acrescenta o eixo binário;
·      o prisma acrescenta eixo, plano e centro, formando a classe holossimétrica, que por possuir todos os elementos de simetria, será a classe holoédrica.
Observação: é necessário levar em conta não somente a soma dos elementos vindos do sistema com os elementos vindos das formas geradoras, mas as consequências da justaposição desses elementos que pode ser nula, causar alterações, multiplicar e, até mesmo, fazer aparecer outros elementos.

3.2 Quadro demonstrativo da formação das classes de simetria
3.2.1 Descrição do quadro
O quadro abaixo, composto de sete colunas, apresenta acima da linha horizontal destacada, à esquerda, os sistemas cristalinos; à direita, as formas geradoras com os respectivos elementos de simetria responsáveis pelos elementos laterais de simetria e, por isso, geradoras das classes. Abaixo da linha horizontal destacada, à esquerda, encontram-se os sistemas com os seus respectivos elementos de simetria básicos; à direita, estão os resultados da justaposição dos elementos de simetria dos sistemas cristalinos da esquerda e das formas geradoras do alto.
Além das cinco classes que cada sistema forma com cada uma das cinco formas geradoras, existem mais quatro classes formadas com eixos de inversão: as classes pedial e esfenoidal do sistema tetragonal e as classes pedial e domática do sistema hexagonal. Outras tentativas para formar classes de inversão, retornam a uma das classes anteriores.

3.2.2 Quadro 1: Formação das Classes De Simetria[3][3]
Sistemas cristalinos
Formas Geradoras e respectivos elementos de simetria
Nomes
Simetria Básica
Pédion                   ---------
Pinacoide C
Doma       P’
Esfenoide      E’2
Prisma            E’2 P’ C
Cúbico
4E3 3E4i
4E3 3E4i

4E3i 3E2 3P  C
4E3 3E4i 6P’
4E3 3E4 6E’2
4E3i 3E4 6E’2 3P 6P’ C
Tetragonal
E4
E4
E4 P C
E4 2P’ 2P”
E4 2E’2 E”2
E4 2E’2 2E”2  P 2P’ 2P” C
Tetragonal de inversão
E4i
E4i
-------
------
E4i 2E’2 2 P”
-------
Hexagonal
E6
E6
E6 P C
E6 3P’ 3P”
E6 3E’2  3E”2
E6 3E’2 3E”2   P 3P’ 3P” C
Hexagonal de inversão
E6i P
E6i P
------
E6i P 3P’ 3E”
------
--------
Trigonal
E3
E3
E3i C
E3 3P’
E3 3E’2
E3i 3E’2 3 P’ C

Rômbico
E2
E2
E2 P C
E2 P’ P”
E2 E’2 E”2
E2 E’2 E”2 P  P’ P” C
Monoclínico
E1
E1
E1i C
E1 P’
E1 E’2
E1i E’2 P’ C

Triclínico
------
1
C
---------
---------
------------



3.2.3 Alterações que essas justaposições podem ocasionar
Na maioria das classes pinacoidais, entre as alterações verificadas, pode-se destacar o aparecimento de planos que não constam nem no sistema e nem na forma geradora. Nas classes domáticas, constata-se facilmente a multiplicação dos planos laterais e, quando o eixo principal for par, o surgimento de planos derivados. Nas classes esfenoidais, constata-se a multiplicação dos eixos laterais e, quando o eixo principal for par, o aparecimento dos eixos laterais derivados. Nas classes prismáticas, tanto o centro como o plano e o eixo podem agir semelhantemente à ação deles nas respectivas classes. Outra alteração importante, é que todos os eixos ímpares são sempre transformados em eixo de inversão pelo centro de simetria.
3.2.4 Outras considerações sobre a interpretação do quadro
É facilmente perceptível na coluna do pédion que não há elemento de simetria do lado direito, das formas geradoras, ficando os elementos reduzidos aos próprios do sistema.  O espaço do elemento de simetria correspondente foi anulado, o que significa que nesta coluna todas as classes têm somente os elementos de simetria do sistema. O resultado, como não houve combinação, resume-se à transcrição dos valores da coluna anterior. Na linha do sistema monoclínico, o sistema tem um eixo principal unitário que não é de simetria. Nesse caso, o resultado é a simples transcrição dos elementos de simetria das formas geradoras que constam no alto da coluna.
No sistema rômbico, percebe-se que o pédion combinado com o eixo binário principal do sistema rômbico forma um esfenoide. No mesmo sistema e com o mesmo eixo binário, o centro de simetria do pinacoide forma um plano perpendicular ao eixo, completando o prisma.  Tanto o esfenoide como o prisma do sistema rômbico, formado com o auxílio do eixo principal desse sistema, são diferentes do esfenoide e do prisma do sistema monoclínico, trazidos prontos das formas geradoras. Do mesmo modo, o pinacoide e o pédion formam classe com o eixo unitário do sistema monoclínico, sem prejuízo para as classes de mesmo nome no sistema triclínico.
A essência do sistema cúbico está no conjunto dos quatro eixos ternários. A interação dos quatro gera os três eixos quaternários de inversão. Estes são os eixos principais derivados. Como eles são produzidos pelos eixos ternários, estarão presentes em todo o sistema, podendo ser modificados ou não pelos elementos laterais. Os outros sistemas são caracterizados por um único eixo, sempre vertical, podendo ser: senário, quaternário, ternário, binário e unitário, de acordo com o sistema.
Somente dois eixos conseguem formar novas classes com a inversão. O eixo quaternário de inversão forma as classes pedial e esfenoidal de inversão; e o eixo senário forma as classes pedial e domática de inversão. As outras classes, com eixos de inversão, retornam sempre às classes anteriores.
4. Revisão dos símbolos das classes de simetria dos sistemas rômbico e monoclínico
Neste estudo, com a constatação da existência das classes prismática e da esfenoidal no sistema rômbico e das classes pinacoidal e pedial no sistema monoclínico, tornou-se urgente fazer um ajuste dos símbolos Hermann-Mauguin (H-M) das referidas classes. Os símbolos de H-M sempre começam considerando a direção vertical. Contudo, Kraus (1951, p.21) chama a atenção para o fato de que no sistema monoclínico os símbolos se referem ao eixo b, isto é, ao eixo horizontal, contrariando a norma.
No sistema rômbico, o eixo de simetria é vertical (primeiro plano), cabendo-lhe os símbolos 2/m e 2; no sistema monoclínico, o eixo vertical é unitário, representado pelo algarismo 1, e os elementos laterais (no segundo plano) são representados por 2 e m. O símbolo 1 2 serve para a classe esfenoidal e 1 2/m para a classe prismática, mantendo-se o eixo vertical na vertical, mesmo sendo unitário, e o eixo lateral na lateral, mesmo sendo o único elemento de simetria.
Nos símbolos de H-M, no sistema cúbico, o segundo espaço é ocupado pelo algarismo 3, representando os quatro eixos ternários - os eixos principais - e a chave do sistema, mas não são verticais. Mesmo sendo os elementos mais importantes do sistema, passam para a segunda coluna (segundo plano). O terceiro espaço cabe aos elementos laterais que, sendo eixos, podem ser dispensados, pois não existe eixo quaternário sem eixo lateral ou não existem dois tipos de planos sem eixo lateral. Nos demais sistemas em que o eixo principal (vertical) é a chave do sistema, o segundo espaço cabe aos elementos laterais primitivos e o terceiro cabe aos elementos laterais derivados. Como estes últimos já são implícitos na justaposição dos elementos principais com os laterais primitivos, podem ser dispensados na simplificação dos símbolos H-M.


Quadro 2: Símbolos genéticos, de Schönflies e de Hermann-Mauguin nos sistemas rômbico e monoclínico
Observação: a diferença dos símbolos ajuda a evidenciar a diferença das classes. No sistema rômbico, o eixo principal (vertical) é binário. No sistema monoclínico, o eixo vertical é unitário (1), isto é, só existem elementos de simetria laterais.


5. Comparação das formas que ocorrem nos dois sistemas
No quadro abaixo, a comparação das sete formas de cada uma das classes, nos dois sistemas. Trata-se, sempre de elementos de simetria equivalentes, mas, diferentes. Por serem diferentes, ocupam posições diferentes: Eixo principal na vertical e eixo lateral, na horizontal e os respectivos planos perpendiculares.
Quadro 3: Comparação das formas nos sistemas monoclínico e rômbico
Forma

                Classe Prismática[1][4]

              Classe Esfenoidal 

Monoclínico

Rômbico

Monoclínico

Rômbico

{100}
Pinacoide
PinacoidePinacoidePinacoide
{010}PinacoidePinacoidePédion          <>    Pinacoide
{001}PinacoidePinacoidePinacoide      <>  Pédion
{110}Prisma           <>      PinacoideEsfenoide      <>    Pinacoide
{101}Pinacoide      <>  PrismaPinacoide      <>Esfenoide
{011}PrismaPrismaEsfenoideEsfenoide
{hkl}PrismaPrismaEsfenoide Esfenoide

Observação: O sinal <> indica os lugares em que não existe correspondência entre as formas resultantes nos dois sistemas. É verdade que, no cômputo final, aparecem as mesmas formas, mas em posições diferentes. Explica-se essa diferença pelo fato de que os elementos de simetria, não sendo os mesmos, estarão em posição diferente. No sistema rômbico, o eixo de simetria, por ser o principal, coincide com o eixo vertical; no sistema monoclínico, o eixo de simetria é lateral e coincide sempre com o segundo eixo. Os planos serão perpendiculares aos eixos.

Conclusão
As classes 2 - pi (eixo binário mais pinacoide formando um prisma) 2 - pe (eixo binário mais pédion formando um esfenoide, no Quadro 1, sistema rômbico, em azul) continuam existindo no sistema rômbico, apesar da existência de classes semelhantes no sistema monoclínico que são as classes 1 – pr (eixo unitário mais prisma) e 1- es (eixo unitário mais esfenoide).
O mesmo vale para as classes 1- pi (eixo unitário e pinacoide) e 1 – pe (eixo unitário e pédion, no Quadro 1, sistema monoclínico, em azul) do sistema monoclínico, que continuam existindo apesar da semelhança com as únicas classes do sistema triclínico. Como o centro de simetria não tem orientação, todos os pinacoide e todos os pédions das outras classes serão iguais nos dois sistemas. A única diferença está na cruz axial que no sistema monoclínico é α igual a γ igual a 90° e ângulo βdiferente de 90º, e no sistema triclínico, é α ≠  β  ≠  γ  ≠ 90°. Pode-se afirmar, por antecipação, que no sistema triclínico é impossível a existência das classes prismática, esfenoidal e domática, pois esse sistema não admite nem plano nem eixo. Já os cristais com dois ângulos diferentes de 90° (diclínicos) não permitem a formação de plano ou eixo de simetria.
Observa-se que não se trata de classes novas, mas da existência de mesmas classes em outros sistemas.   
A prática de incluir um cristal ortogonal num sistema monoclínico, por ausência de uma classe equivalente no rômbico, não me parece viável. Uma estrutura ortogonal não pode ser encaixada no sistema monoclínico. Além disso, os elementos de simetria são equivalentes, mas não são os mesmos. No sistema rômbico, são principais tanto o E2 como o P. O centro agindo sobre o eixo principal gera um plano principal. No sistema monoclínico tanto o E’2 como o P’  são laterais. O centro age sobre o eixo lateral e a posição também é de elementos laterais. O próprio ângulo beta, num lado é de 90º e noutro deve ser diferente de 90°. Não é possível admitir que se trate de uma mesma classe.
Uma classe é formada pelo pinacoide no sistema rômbico e a outra é formada pelo prisma no sistema monoclínico. Segundo Groth, ambas são prismáticas. Nada impede que haja uma classe prismática no sistema rômbico e outra no sistema monoclínico. Quem determina a inclusão de um cristal no sistema rômbico ou no monoclínico é sempre o ângulo beta e não a suposta inexistência da classe correspondente no sistema rômbico. A importância e a força do ângulo beta é o que impede a passagem dos cristais do sistema rômbico para o monoclínico. Força semelhante podemos atribuir aos ângulos alfa e gama que impedem a passagem de cristais do sistema monoclínico para o sistema triclínico. Fica, assim, clara a existência das classes formadas pelo pinacoide e pelo pédion tanto no sistema rômbico como no monoclínico, sem prejuízo da existência das classes semelhantes em outros sistemas.   
Repassando-se rapidamente as referências cristalográficas de alguns minerais, a gente se depara com dificuldades no enquadramento de certos minerais dentro do sistema em que foram classificados. Às vezes parece que se trata de verdadeiro Leito de Procusto, em que minerais pertencentes a um sistema, mas descritos como pertencendo a outro sistema mais pobre, são a ele submetidos. Como exemplo, no Manual de Mineralogia, de Dana-Hurlbut, a muscovita é descrita como “monoclínica, prismática, ângulo beta quase 90° ”. Os autores afirmam que se “confere a alguns cristais a forma de rombo, parecendo simetria rômbico”, dando a nítida impressão de que se trata de um mineral que pede trânsito para o sistema rômbico, onde existe uma classe adequada (a classe 2 – pi  ou, se quiser, 2/m) [2][5]. Se o mineral parece rômbico e há lugar para ele no sistema rômbico, por que não classificá-lo como rômbico? Outro exemplo, encontrado em Dana-Hurlbut (p. 491), é o do microclino, apresentado como triclínico pinacoidal que também parece pedir trânsito para o sistema monoclínico, para a classe pinacoidal, possível neste sistema.
O pinacoide e o pédion, atuantes em todos os sistemas, atuarão também nos sistemas rômbico e monoclínico. Uma simples pesquisa bibliográfica ou o estudo de novos cristais, já realizado, poderão confirmar a existência de cristais candidatos às vagas nessas novas posições. O fato de não encontrar cristais para uma ou outra classe jamais poderá provar a inexistência das mesmas. Phillips já constatou a dificuldade de encontrar cristais para confirmar as classes de menor simetria.[3][6]

Uma nova proposta de nomear as classes, de acordo com as formas geradoras
     Afirma-se que todas as classes existem em todos os sistemas e que são sempre formadas pelas mesmas formas geradoras. Assim, propõe-se que o nome mais simples, mais significativo e mais fácil de memorizar é o nome oriundo da respectiva forma geradora. Nessa proposta, cada sistema aparece com as mesmas cinco classes, com exceção do sistema triclínico que só comporta duas classes, a pedial e a pinacoidal. Afirma-se que a adoção dos nomes das classes tenha a vantagem de trazer à lembrança os elementos de simetria laterais presentes em cada uma delas.
A classe pedial fica somente com os elementos do sistema (sem elemento lateral). As outras classes, além dos elementos do sistema, contribuem com:
·        pinacoidal – o centro de simetria, levando em consideração as implicações do mesmo, em todos os sistemas;
·        domática – o plano lateral, que poderá ser multiplicado pelo eixo principal, em todos os sistemas, de acordo com a ordem do eixo;
·        esfenoidal – o eixo lateral, que poderá ser multiplicado, em todos os sistemas, de acordo com a ordem do eixo;
·        prismática – com os três elementos laterais (eixo, plano e centro), e as respectivas implicações no conjunto, em todos os sistemas. A alteração causada pelo centro de simetria da classe pinacoidal, pelo plano de simetria da classe domática e pelo eixo de simetria da classe esfenoidal serão as mesmas alterações verificadas na classe prismática, em que os três elementos estão presentes.
A proposta do uso dessa nomenclatura visa contribuir para a facilitação dos estudos da Cristalografia, evitando-se nomes complexos e muito extensos. Acresce a vantagem de que a denominação dada às classes do primeiro sistema vale para todos os outros sistemas, dispensando o uso de novas denominações em cada sistema.
____________________________
* Professor de Mineralogia do antigo Curso de História Natural da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, no período de 1954 a 1982. Dedica-se à pesquisa no Museu de Ciências e Tecnologia da mesma Universidade, desde 2004.
** Preferimos manter o termo grego pédion, usado nos compêndios de Cristalografia, no lugar do termo aportuguesado pédio. O mesmo decidimos em relação ao termo doma, empregado no lugar de domo. Contudo, optamos por não grafá-los em itálico.
[1] LUNA, Roso de.  Cristalografia. 2.ed. – Madrid: Publicaciones de La Escuela Especial de Ingenieros de Minas, 1955. p. 56.
[2] KUHN, Ignácio Jacob. Base da Cristalografia Morfológica (em elaboração).
[3] Convencionamos que E e P indicam eixos e planos principais, E’ e P’ indicam eixos e planos laterais primitivos e E” e P” indicam eixos e planos laterais derivados e C indica um centro de simetria. A letra i indica um eixo de inversão e E1 ou 1 indicam  eixo unitário, isto é, quando  não existir elemento de simetria nessa posição.
[4] Para facilitar a comparação, confeccionei modelos em acrílico das sete formas da classe prismática, nos sistemas rômbico e monoclínico. No Apêndice, elas aparecem fotografadas.
[5] DANA-HURLBUT. Manual de Mineralogia. 2. ed. Barcelona: Editorial Reverté, 1960. p. 466.
[6] PHILLIPS, F.C. An introduction to crystallography. 2. ed. Londres: Longmans, Green and Co., 1956. p. 157.

Referências

DANA-HURLBUT. Manual de Mineralogia. 2. ed. Barcelona: Editorial Reverté, 1960.
KUHN, Ignácio Jacob. Base da Cristalografia Morfológica (em elaboração).
KRAUS, Edward Henry. Mineralogy an introduction to the study of Minerals and Crystals. New York: McGraw-Hill, 1951.
LUNA, Roso de.  Cristalografía. 2.ed. – Madrid: Publicaciones de La Escuela Especial de Ingenieros de Minas, 1955.
PHILLIPS, F.C. An introduction to crystallography. 2. ed. Londres: Longmans, Green and Co., 1956.